Na experiência humana a realidade será sempre precedida de um sonho. O pensamento, a imaginação, a idéia compõem o cenário da montagem da realidade. O sonho não é antagônico à realidade. Pelo contrário, está incrustado na sua origem.
Essa observação vem a propósito da tentativa de entender o sentido do filho para a pessoa humana. O filho será sempre um sonho, mesmo que, ás vezes, se torne um pesadelo diante das fantasias e dos desejos que acalentamos em nosso psiquismo. Sonho e realidade se complementam no processo de geração e interação com o filho.
“O filho é a resultante esperada da relação homem-mulher; é como se o equilíbrio se completasse a partir de um terceiro referencial. É o filho que dá sentido ao casal. Sem dúvida, é da interação dessas três forças – que oferecem, reciprocamente, apoio e harmonia no sistema de dar e receber – que surge a verdadeira unidade. Falamos aqui, portanto, de uma triunidade, não no sentido aritmético, mas no sentido de uma dimensão ética, segundo a qual as relações interpessoais ocorrem de uma forma harmônica e complementar. É oportuno lembrar que a unidade pressupõe a diversidade, assim como a semelhança pressupõe a diferença, mas, nesse caso, as diferenças – que marcam o caráter na individualidade – aproximam e deixam transparecer o todo, o conjunto” (Cf. Schettini).
A busca do filho resulta, portanto, de uma conjunção ética e não simplesmente de uma conquista genética. É nesse ambiente que se processa a adoção. É dentro do âmbito da relação ética que se constrói a real parentalidade, conduzida pela convivência afetiva.
A adoção, porém, se inscreve em um contexto de impossibilidades. Uns adotam filhos por não poderem gerá-los. Outros os geram, mas esbarram na impossibilidade de criá-los. O poder de uns se impõe ao não-poder de outros. Essa questão, com certeza, produz interferências nas relações interpessoais de pais e filhos adotivos. A experiência clínica nos mostra, entretanto, que o apego afetivo, que se estabelece através da criação – que não se confunde com “educação” – faz da relação parental adotiva uma peça inconsútil.
Por essas razões, torna-se necessário uma incursão na dinâmica psicológica da adoção. A adoção não pode ser encarada apenas como um fenômeno operacional. Não se trata de montar um sistema operacional que leve a localizar uma criança para torná-la filho. O filho adotivo não vem de fora; vem de dentro, como de dentro vem o filho biológico. Isto é, o filho que se adota é o filho que, afetivamente, é “gestado” no psiquismo de seus novos pais.
A verdade é o fundamento de uma relação de afeto duradoura. A criança adotiva precisa ouvir a sua história para poder ouvir a si mesma. Por essa razão, não temos o direito de mutilar sua biografia.
BARLETTA, Gaetano, Il Figlio Altrui, Società Editrice Internazionalle, Torino, Italia, 1991.
DELL´ANTONIO, Annamaria, Le Problematiche Psicologiche dell´ Adozione Nacionale e Internazionalle, Giuffrè Editore, Milano, Italia, 1986.
DOLTO, Françoise, Dificuldade de Viver, Trad. de Alceu Edir Fillmann e Doris Vasconcellos, Artes Médicas, Porto Alegre, 1988.
KUSHNER, Harold S., Quando Tudo não é o Bastante, Trad. Elizabeth e Djalma Mello, Livraria Nobel S.A., S. Paulo, 1987.
SCHETTINI, Luiz Filho, Compreendendo o Filho Adotivo, Bagaço, Recife, PE, 1995.
SCHETTINI, Luiz Filho, Adoção: Origem, Segredo e Revelação, Bagaço, Recife, PE, 1999.
TILLICH, Paul, A Coragem de Ser, Trad. Eglê Malheiros, Editora Paz e Terra S.A., S. Paulo, 1976.
Oi linda,
ResponderExcluirEstou adorando ler o seu blog! Vou vir sempre aqui!!!
Bjs
Fernanda