Blog de Neuropsicologia
Circula pela internet, capitaneado pelo CRP06/SP o manifesto do fórum sobre medicalização da educação e da sociedade. Esse movimento vem sugerindo à sociedade uma ação contra a medicalização do que chamam de “supostos transtornos”, principalmente os que são relacionados ao desenvolvimento e aprendizagem e opondo-se fortemente ao diagnóstico dos mesmos. Quero aqui manifestar o porquê sou contra a assinatura do mesmo por algumas razões técnicas que exponho a seguir. Reforço ainda que sou psicólogo, especialista em neuropsicologia e exatamente, por estar nesta profissão, fico à vontade para expor as idéias a seguir, como um resumo de posicionamentos de colegas pesquisadores em neuropsicologia e áreas afins. O texto está na forma de perguntas e respostas (em negrito) com trechos do manifesto que foram publicados na páginahttp://www.crpsp.org.br/medicalizacao/manifesto_forum.aspx
a) Manifesto: “Entende-se por medicalização o processo que transforma, artificialmente, questões não médicas em problemas médicos. Problemas de diferentes ordens são apresentados como “doenças”, “transtornos”, “distúrbios” que escamoteiam as grandes questões políticas, sociais, culturais, afetivas que afligem a vida das pessoas. Questões coletivas são tomadas como individuais; problemas sociais e políticos são tornados biológicos. Nesse processo, que gera sofrimento psíquico, a pessoa e sua família são responsabilizadas pelos problemas, enquanto governos, autoridades e profissionais são eximidos de suas responsabilidades”.
Estudos bem delineados metodologicamente com populações no mundo inteiro foram capazes de mostrar (pelo avanço da tecnologia e não do adoecimento artificial) que os transtornos de preocupação do manifesto não são criados pela cultura. Além da prevalência do transtorno ocupar diferenças apenas sutis entre as diferentes culturas e sociedade, estudos de genética comportamental, neuropsicologia e neuroanatomia funcional têm corroborado as hipóteses de vulnerabilidade genética acrescida de fatores relacionados a intensidade dos problemas, estes sim, dependentes de fatores relacionadas à forma, contexto e comportamentos reforçados ou não ao longo do tempo. Em geral, o diagnóstico destes problemas ameniza o sofrimento psíquico e não gera sofrimento, pois saber o que é e como se trata um problema é melhor que os diferentes rótulos recebidos pelos portadores do não supostos transtornos, mas dos transtornos (não existe suposto, existe diagnóstico quando de fato é existente o problema).
b) Manifesto: “O estigma da “doença” faz uma segunda exclusão dos já excluídos – social, afetiva, educacionalmente – protegida por discursos de inclusão”.
Pelo contrário, o diagnóstico auxilia no apoio, tratamento e inclusão destas pessoas na sociedade. O próprio MEC reconhece, bem como o MS a necessidade de intervenção relacionada para apoio aos portadores. Fiz parte, como representate pela Associação Brasileira do Déficit de Atenção de uma comissão no SEB-MEC a fim de fornecer subsídios para apoio aos portadores do que no ministério são chamados de transtornos funcionais.
c) Manifesto: “ A medicalização tem assim cumprido o papel de controlar e submeter pessoas, abafando questionamentos e desconfortos; cumpre, inclusive, o papel ainda mais perverso de ocultar violências físicas e psicológicas, transformando essas pessoas em “portadores de distúrbios de comportamento e de aprendizagem”.
Alguém usa esse argumento para antiheméticos ou antitérmicos? Mesmo assim, sabemos que as pessoas podem vomitar por ansiedade ou terem febre frente a uma reação emocional intensa. Adicionalmente, dos estudos mais avançados na área sabe-e que nenhuma das medicações utilizadas nos transtornos, principalmente o TDAH, submete ou controla pessoas nem o seu diagnóstico (o que seria mais perto do nome medicalização) também o faz. Há famílias e escolas altamente preocupadas em dar o melhor aos portadores e não perversamente ocultar violências. Um exemplo técnico para isso, ao inverso, foi o processo ocorrido ao longo da história de “psicologizar “ o autismo através da teoria da “mãe geladeira”. Há mais mães sofrendo pelo autismo dos filhos do que sendo produtoras frias de um transtorno. Ainda bem que pesquisas recentes vêm sistematicamente mostrando que a geladeira neste caso é impor sobre a mãe do portador a culpa pela doença do filho.
d) Manifesto: “Construir estratégias que subvertam a lógica medicalizante
e ampliar a produção teórica no campo da crítica à medicalização”.
e ampliar a produção teórica no campo da crítica à medicalização”.
Não posso entender que uma psicologia se faz sem evidências de pesquisa. Isto não é psicologia, isto é religião, fé ou algo parecido. Construir estratégias que subvertam a lógica medicalizante e ampliar produção teórica deveriam ser substituídos por psicólogos farão pesquisas metodologicamente bem delineadas, com grupos epidemiologicamente significativos e irão mostrar que a “ medicalização-ainda não sei o que isso de fato significa” é realmente prejudicial à sociedade.
Se for para fazer uma psicologia evidenciada pelo “eu acho”, estarei solenemente à disposição para considerar que fazer psicologia é um erro metodológico. Mas se basearmos o mesmo conhecimento sobre aqueles que vêm construindo uma seriedade na psicologia em seus métodos, evidências de pesquisa e aplicações na sociedade para o seu melhoramento, então teremos feito uma escolha correta.
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