segunda-feira, 11 de junho de 2012

A relevância do diagnóstico da dislexia e da intervenção de qualidade


Dados sobre a Educação no Brasil em 2009 apontam que há 13% de 
crianças entre 10 e 14 anos com mais de dois anos de atraso escolar, com 
grande variação entre as regiões do País (PNAD  - Pesquisa Nacional por 
Amostra de Domicílios / Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, 
2009). Esses resultados apontam que parte de nossas crianças consegue 
atingir níveis de competência em leitura, mas uma parcela importante da 
população que cursa o ensino fundamental no Brasil ainda não alcançou níveis 
recomendáveis para sua idade. Aproximadamente 40% das crianças em séries 
iniciais de alfabetização apresentam dificuldades escolares devido a múltiplas 
causas incluindo falta de oportunidade social, ambiente cultural pouco 
estimulante, desvantagens sócio-econômicas, falhas no acesso ao ensino e 
aos métodos pedagógicos adequados, além de fatores neurobiológicos 
diversos. 
É evidente que o ensino de leitura no país ainda tem muito que melhorar 
e muitas vezes este desempenho ruim reflete um acúmulo de dificuldades 
desde a época da alfabetização.  No entanto, dentre as crianças com 
dificuldades escolares há um número de crianças que apresentam uma 
condição de ordem funcional, como o transtorno específico de leitura, ou a 
dislexia.
Estudos epidemiológicos atuais apontam que os transtornos específicos 
de leitura são muito freqüentes com prevalência entre 5 a 10%  da população mundial  em idade escolar. Nos países em desenvolvimento, tais transtornos 
contribuem significativamente para as altas taxas de fracasso e evasão escolar. 
Neste sentido, dada a complexidade e características multifatoriais dos 
transtornos de aprendizagem é essencial distinguir os casos onde há 
predomínio dos fatores psicossociais e ambientais daqueles de bases 
orgânicas e neurobiológicas. Tal distinção é essencial tanto para a condução 
de um diagnóstico preciso como para a seleção das diferentes estratégias de 
intervenção, sejam estas na área da saúde ou educacionais e sociais, mais
adequadas e específicas a cada caso. 
A dislexia conforme conceito atual proposto pela Organização Mundial 
de Saúde (OMS) consiste de um transtorno do neurodesenvolvimento que é 
caracterizado pela dificuldade específica de leitura, não explicada por déficit de 
inteligência, falta de oportunidade de aprendizado, motivação geral ou 
acuidade sensorial diminuída seja visual ou auditiva. A habilidade mais 
prejudicada na dislexia é a de segmentar, manipular e sintetizar seqüências de 
sílabas e fonemas que compõe as palavras, a habilidade de  consciência 
fonológica. A avaliação diagnóstica da dislexia é essencialmente interdisciplinar 
e requer zelo, critérios diagnósticos clínicos e deve envolver um amplo 
espectro de instumentos padronizados, questionários para escola e familiares, 
afastando-se causas sensoriais (visuais, auditivas). Os exames de 
neuroimagem podem ser utilizados como auxílio clínico nos casos com 
anormalidades no exame neurológico ou com sintomas neurológicos clínicos 
como de crises epilépticas. A avaliação diagnóstica interdisciplinar deve 
abranger também outros aspectos funcionais: 1. A avaliação da eficiência, velocidade e automatização da leitura; 
2. Avaliação da eficiência, velocidade e automatização da escrita e 
discriminação do tipo de erros na escrita;
3. A discrepância entre o mau desempenho na leitura quando comparado 
com o seu desempenho cognitivo (geralmente, discrepância de dois 
anos).
O diagnóstico de dislexia tem uma extensa e sólida demarcação clínica 
e neuropsicológica enquanto transtorno reconhecidamente de base orgânica 
(neurológica) e genética caracterizada pela falha nos mecanismos cerebrais 
responsáveis pela manipulação da estrutura sonora das palavras e/ou pela 
dificuldade na transposição da representação gráfica em seu correspondente 
fonológico (sonoro). Como a maioria dos transtornos do desenvolvimento e dos 
problemas psiquiátricos de maneira geral, não há até o momento um marcador 
biológico único, seja de neuroimagem ou genético, presente em todos os 
casos. 
Os avanços da neurociência, tornando mais nítida e objetiva a interface 
mente/cérebro, permite-nos compreender melhor os aspectos neurológicos e 
cognitivos que subjazem aos padrões comportamentais da dislexia.
Estudos recentes avaliando áreas cerebrais durante provas de leitura 
mostram que as crianças com dislexia apresentam baixa ativação metabólica 
da rede neural do hemisfério cerebral esquerdo, nas diferentes tarefas como 
leitura, no reconhecimento de rimas, e estes dados são consistentes nas 
diversas culturas e línguas. 
A leitura e a escrita compartilham áreas cerebrais com outras funções 
cognitivas, incluindo os circuitos relacionados à atenção, memória e planejamento executivo. Neste sentido, não é de se surpreender a associação 
da dislexia com outros transtornos do desenvolvimento como o Transtorno do 
Déficit de Atenção com Hiperatividade que pode ser encontrado em 
aproximadamente 30% das crianças com dislexia. Pode haver também uma 
continuidade multidimensional para a habilidade de leitura, em geral, e para as 
demais  habilidades cognitivas relacionadas.
Há heterogeneidade de manifestações de transtornos de leitura em uma 
gradação completa e contínua, desde a criança com dislexia severa, em um 
extremo, até o leitor fraco por atraso de desenvolvimento da linguagem. 
Estudos recentes com neuroimagem mostram a importância da reabilitação, 
principalmente baseada no treino de habilidades fonológicas. Há um aumento 
da atividade metabólica de áreas temporo-parietais e frontais do hemisfério 
esquerdo e um recrutamento de circuitos em áreas homólogas do hemisfério 
direito e de áreas cerebrais responsáveis pela modulação emocional e 
motivacional. Observa-se ainda uma correlação entre a magnitude da ativação 
e a melhora clínica sugerindo que tais achados podem num futuro próximo 
sugerir marcadores neurobiológicos de sucesso da reabilitação. Neste sentido, 
o avanço nas pesquisas de tais tecnologias poderá contribuir tanto para um 
diagnóstico precoce quanto para a reabilitação facilitando a seleção das 
estratégias mais efetivas para potencializar rotas residuais. 
De acordo com dados publicados pelo IBGE (2010) o Brasil tem cerca de 
190 milhões de habitantes, dos quais quase  45 milhões de crianças e 
adolescentes estão matriculados no ensino regular. Se considerarmos a 
prevalência reservada de 4% de alunos disléxicos ainda assim estaremos 
diante de 1.8 milhões de brasileiros nessa condição.É importante ressaltar que o bom e o mau prognóstico da dislexia não 
dependem apenas de fatores biológicos e neurológicos, mas do diagnóstico 
precoce, e conseqüentemente do início precoce da intervenção. Isto irá permitir 
uma maior integração com a escola, facilitar a aceitação e inserção social da 
criança com dificuldade de leitura e escrita, prevenindo as conseqüências 
emocionais e comportamentais desastrosas do não reconhecimento em termos 
de autocompetência e autoestima. Embora o diagnóstico clínico definido 
requeira pelo menos 2 anos de diferença entre a idade cronológica e a idade 
de leitura, é possível reconhecer precocemente crianças em idade pré-escolar
de risco por exemplo aquelas com dificuldade de manipulação fonológica, já 
verificada aos 5 e 6 anos. Se passarmos a identificar tais crianças podemos 
estabelecer um programa de estimulação e intervenção também mais precoce 
e eficiente. Tal identificação  é fundamental quando entendemos que a janela 
de desenvolvimento da linguagem na criança é mais ativa antes dos 6 anos de 
vida. 
Para finalizar é essencial reconhecer que as bases neurobiológicas da 
dislexia já estão bem estabelecidas e fazem parte do conhecimento científico 
amplamente confirmado por estudos epidemiológicos e de pesquisa clínica em 
todo o mundo. Trazer à luz a questão da dislexia e buscar ajuda nas políticas 
públicas de saúde e educação com o intuito de apoiar crianças e jovens com 
dislexia  e suas famílias, não significa que estamos dando as costas para a 
questão da educação em nosso país. E ainda, assumir posições irracionais e 
negar a existência da dislexia justificando toda e qualquer dificuldade de 
aprendizagem por aspectos de ordem geral sócio-econômicas, pedagógicas  e 
institucionais é um grande desserviço para a comunidade tão carente de atenção, leis adequadas de adaptação e capacitação profissional necessárias. 
Há que se ater à necessidade de criar abordagens tanto para reconhecer como 
para implementar estratégias efetivas e precoces de intervenção. Tal postura 
centrada na ideologização do conhecimento, no reducionismo ancorado na 
bandeira ideológica contra a medicalização dos problemas de saúde deve ser 
combatida com conhecimento e capacitação. Identificar a dislexia é também 
prover as escolas de condições ideais para a adaptação curricular, recursos 
pedagógicos especializados, mobilizando a sociedade para apoiar a aprovação 
de leis que auxiliem nossas crianças a enfrentarem seus desafios pedagógicos 
e humanos com maior dignidade e autoestima. Um dos maiores indicadores de 
mau prognóstico da dislexia é o estigma que acompanha o não 
reconhecimento da dislexia pela sociedade. Um estigma que deve ser 
combatido com informação para que crianças inteligentes e criativas não 
fiquem à margem do processo de socialização garantido através da educação 
e da cultura.
Documento elaborado em março de 2011 por: 
 Prof. Dr. Abram Topczweski 
Formou-se na Escola Médica do Rio de Janeiro (Universidade Gama Filho) em 
1970. Mestre em neurologia pela USP, Doutor em neurociências pela UNICAMP. ExProfessor assistente de neuropsicologia da PUC-SP, Neuropediatra do Hospital 
Israelita Albert Einstein, Consultor de neuropediatria da AACD e do Hospital Infantil 
Darcy Vargas. Vice-Presidente da Associação Brasileira de Dislexia(ABD); Diretor do 
Hospital Israelita Albert Einstein; Membro do conselho de Ética Médica do Hospital 
Israelita Albert Einstein.
 Profa. Dra. Ana Luiza Navas 
Possui graduação em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade 
Federal de São Paulo (1988), mestrado em Psicolinguistica - University of Connecticut 
(1993) e doutorado em Psicolinguistica - University of Connecticut (1998). Membro do 
Conselho administrativo da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia. Professora 
adjunto, e atual Diretora do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Ciências 
Médicas da Santa Casa de São Paulo. Membro da Diretoria da  Society for the Scientific Studies of Reading (SSSR) como Coordenadora Internacional. Diretora do 
Instituto ABCD (2010 – presente).
 Prof. Dr. Jaime Zorzi
Possui graduação em Fonoaudiologia pela Pontifícia Universidade Católica de 
São Paulo (1976), mestrado em Distúrbios da Comunicação pela Pontifícia 
Universidade Católica de São Paulo (1988) e doutorado em Educação pela 
Universidade Estadual de Campinas (1997). Ex-Presidente da Sociedade Brasileira de 
Fonoaudiologia e Ex-Conselheiro do Conselho Regional de Fonoaudiologia  - 2ª 
Região. Foi professor de cursos de graduação em fonoaudiologia na PUCSP e na 
Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Na pós-graduação, atua 
no CEFAC Pós-Graduação em Saúde e Educação, como coordenador, organizador e 
professor de cursos de especialização nas áreas da Fonoaudiologia e Educação. Tem 
trabalhado em programas de formação de professores de ensino fundamental e em 
assessoria educacional, com enfoque principalmente no desenvolvimento de 
propostas para facilitar a alfabetização de alunos com problemas de aprendizagem.
 Prof. Dr. Mauro Muskat
Médico neurologista com graduação em Medicina pela Faculdade de Ciências 
Médicas da Santa Casa de São Paulo (1977), mestrado em Medicina (Neurologia) 
pela Universidade Federal de São Paulo (1989) e doutorado em Medicina (Neurologia) 
pela Universidade Federal de São Paulo (1992). Atualmente é coordenador do Núcleo 
de Atendimento Neuropsicológico Infantil Interdisciplinar do Departamento de 
Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo. Tem experiência na área de 
Medicina, com ênfase em Neurologia, atuando principalmente nos seguintes temas: 
epilepsia, neurodesenvolvimento infantil, neuroplasticidade e TDAH. Professor 
orientador do Curso de Pós Graduação de Educação e Saúde da Infância e 
Adolescência da Universidade Federal de São Paulo


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